Balada
de um jogador
O
grande lance do novo filme do diretor dos premiados no Oscar ‘Nada de novo no front’
(2022) e ‘Conclave’ (2024), o alemão Edward Berger, está na execução técnica –
a edição é poderosa, a direção de arte e a fotografia, um primor, de tirar o
chapéu. O roteiro, nem tanto assim, já que se repete em idas e vindas e
desastres pelo caminho ao acompanhar três dias na vida de um azarado jogador viciado
em cassinos, Lord Doyle (Colin Farrell). Ele está hospedado num luxuosíssimo
quarto de hotel em Macau, cercado por vinhos caros e dinheiro espalhado pelo
chão. Ele acorda depois de uma bebedeira, após também perder muita grana em
jogos. Não paga a conta da hospedagem há dias, valor que beira 400 mil dólares,
e não abre mão dos bons champanhes, caviar e lagosta. Um aviso chega debaixo da
porta, informando que ele tem três dias para quitar aquela dívida do hotel,
senão a polícia será acionada. Doyle então corre contra o tempo para jogar mais
e tentar ganhar uma bolada nos cassinos da região. Ele mal dorme, acorda
agoniado, sofre de taquicardia, até que uma mulher misteriosa, Blithe (Tilda
Swinton – naqueles seus papeis excêntricos), ‘joga’ uma bomba em seu colo – ela
traz uma proposta a Doyle para resolver algo mal esclarecido do seu passado,
quando ele se envolveu num roubo milionário no Reino Unido. Com dívida do hotel
e mais essa do roubo, Doyle se vê diante do abismo, tentando escapar da polícia
e contando as horas para recuperar o dinheiro perdido. O público não gostou
deste filme agitado e de pura correria, que mistura comédia nonsense com ação e
suspense, mas confesso que me conquistou – o filme se passa numa Macau
eletrizante, com cores que fervem na tela, com direção de arte e fotografia
estonteantes, como mencionei. Não fica claro se o protagonista está num sonho ou
se tudo é real, e esta dúvida fica ainda mais na cabeça da metade para o final.
É sim uma alegoria que parece fantasia, um pesadelo na mente do personagem
aloprado e mal resolvido, como se aqueles fossem as últimas horas de sua
existência. O filme se passa no feriado do Dia dos Fantasmas Famintos, uma
celebração milenar chinesa com rituais de oferendas para os espíritos – os
últimos dias do personagem num feriado dos mortos remetem a um ‘À sombra do
vulcão’ mais moderno. Exibido nos festivais de Toronto, de San Sebastián e no do
Rio, é baseado no romance de 2014 do escritor britânico Lawrence Osborne ‘Balada
de um pequeno jogador’.
Steve
O
recém-ganhador do Oscar Cillian Murphy, por ‘Oppenheimer’ (2023), estrela a
nova produção da Netflix, um drama de ambiente escolar, e cada minuto dele em
cena é de alto brilhantismo. Ele dosa muito bem momentos que exigem
temperamento explosivo a outros com mais racionalidade e pé no chão. Murphy
interpreta um diretor de um reformatório que luta para que uma mudança no
regime escolar não feche sua instituição. O lugar abriga estudantes agressivos,
marginalizados pela sociedade e apartados da família, vários com crises de saúde
mental. O tempo de duração do filme é de um dia inteiro na escola, com entra e
sai de funcionários, discórdia entre eles e entre os alunos, frustrações com a
reforma do ensino. Quem acompanha aquela rotina é uma equipe de filmagem que
visitou o espaço para entrevistar o diretor, a equipe pedagógica e os
estudantes sobre o possível fechamento da escola – eles gravam desabafos
principalmente dos alunos sobre a relação entre os colegas e sobre seus
problemas pessoais. O filme, portanto, é um apanhado dessas gravações, que se
assemelham a um documentário, e o ponto de vista dos personagens naquele dia
difícil. Os papeis femininos são um estrondo, com grande momento em cena de
Tracey Ullman e Emily Watson – que possivelmente devem concorrer a prêmios na
temporada do próximo ano. A câmera na mão e longos planos sequenciais são os
desafios técnicos deste filme surpreendentemente positivo, porém amargo. Exibido
no festival de Toronto, é baseado no livro do escritor Max Porter, que ele
mesmo adaptou para as telas. O
diretor, Tim Mielants, havia trabalhado com Cillian Murphy e Emily Watson num
longa anterior, o complexo drama ‘Pequenas coisas como estas’ (2024).
Inverno
em Sokcho
Produção
original da Mubi, o streaming queridinho dos cinéfilos, o filme da Coreia do
Sul e da França exibido nos festivais de Toronto e San Sebastián acaba de
estrear no streaming da Mubi Brasil. É um drama romântico cult, sobre uma
jovem, de nome Soo-Ha, que trabalha em uma pousada na cidade costeira sul-coreana
de Sokcho, coberta de neve. O inverno chegou pesado na região, portanto poucas
pessoas saem pelas ruas. A moça vive entre a peixaria da mãe e a casa do
namorado, até que a chegada de um artista francês a leva a questionar sua
identidade. Os dias de inverno são longos, assim como as conversas entre Soo-Ha
e o artista – eles percorrem pela cidade branca estabelecendo uma ligação por meio
da arte e da comida. De condução tácita, a história sensível de uma nova
amizade e choque cultural ganha novos contornos nesse filme de arte típico dos
lançamentos da Mubi – os dois atores centrais estão bem, são eles a sul-coreana
Bella Kim e o proeminente ator francês de origem marroquina Roschdy Zem, que já
fez inúmeros trabalhos conhecidos do público, como ‘Chocolate’ (2016). A
fotografia fria da neve na real cidade de Sokcho é um deleite para os olhos.