A sétima profecia
Verão de 85
Verissimo (Brasil, 2024, 89 minutos, de Angelo
Defanti)
Chega aos cinemas brasileiros um dos melhores documentários da edição
desse ano do Festival É Tudo Verdade (que terminou no mês passado). ‘Verissimo’
traz a rotina do escritor gaúcho Luís Fernando Verissimo prestes a completar 80
anos – o doc foi filmado em 2016 e só lançado agora. A agenda cheia de
Verissimo está presente, com viagens para lançar livros pelo Brasil,
participação em conferências, recepção de amigos em casa, entrevistas para TV e
telefonemas que não cessam. Cansado e de voz baixa, Verissimo fala sobre sua velhice
e como ele lida com essa fase da vida, enquanto sua mente trabalha a mil por
hora. Não é uma biografia do escritor, até porque já existem dois filmes sobre
ele, e sim essa amostra da rotina do escritor em casa e nos diversos tipos de
trabalho. O diretor Angelo Defanti já tinha contato com o universo de Verissimo,
pois adaptou um dos livros do gaúcho para o cinema, ‘O clube dos anjos’ (2020). Distribuição pela Boulevard Filmes em codistribuição com a Vitrine Filmes e Spcine.
Here (Bélgica, 2023, 82 minutos, de Bas Devos)
Vencedor de dois prêmios no Encounters do Festival de Berlim de 2023 e exibido
na edição passada do Festival do Rio, o poético drama independente ‘Here’ é
mais uma amostra do bom cinema do belga Bas Devos, de ‘Trópico fantasma’ (2019).
Ele conta com silêncio e filosofia – o filme não tem trilha sonora, apenas sons
da natureza, por isso muito contemplativo – a história de um imigrante romeno
que está em Bruxelas trabalhando na construção civil. Ele se prepara para
voltar ao país natal. Só que antes faz uma jornada para se despedir dos amigos,
em seus últimos dias na Bélgica. Conhece uma jovem de origem chinesa e resolvem
se embrenhar numa floresta para analisar musgos para uma pesquisa dela. Ali
nascerá uma forte amizade. Um filme sobre encontros e despedidas marcados pelo
tempo presente, com bonita fotografia, especialmente a da floresta verde e
úmida. Gostei, porém indico para quem segue fitas cult e de narrativa lenta.
Distribuição da Zeta Filmes.
Conduzindo Madeleine (França/Bélgica, 2022, 91
minutos, de Christian Carion)
Adorável, um filme que é para ver e rever, e lembra, não só no título,
mas na história, ‘Conduzindo Miss Daisy’ (1989), ganhador do Oscar de melhor
filme. Nessa coprodução França/Bélgica feita em 2022 e só distribuída agora nos
cinemas brasileiros, conhecemos a amizade de um taxista (Dany Boon, de ‘A
Riviera não é aqui’) com sua nova e especial passageira, Madeleine, uma meiga
senhorinha de 92 anos (papel impressionante de Line Renaud, de ‘Noites sem
dormir’, na época com 94 anos!). Ele tem de levá-la para uma casa de repouso
onde irá morar, no entanto, antes, os dois farão um passeio por Paris, pelos lugares
onde Madeleine cruzou desde a infância. Cativante e bem curtinho, a comédia
dramática fez sucesso no Festival Varilux de Cinema Francês, depois de ser
exibido no Festival de Toronto. Dirigido por Christian Carion, do drama de
guerra indicado ao Oscar ‘Feliz natal’ e da recente fita policial ‘Meu filho’. Em
cartaz nos cinemas, distribuído pela California Filmes.
A teia (EUA/Austrália, 2024, 110 minutos, de Adam
Cooper)
Fita policial com suspense típica das antigas sessões do Supercine, com reviravoltas, algumas cenas de ação e muito mistério. Até certa altura achei que a ideia seria original, com revelações surpreendentes, mas foi se tornando previsível. Russel Crowe, de ‘Gladiador’, interpreta um ex-detetive com Mal de Alzheimer que está em um tratamento pioneiro para restaurar sua memória. Um dia, é convocado para auxiliar num caso que atuou no passado, envolvendo um assassinato – o suspeito está no corredor da morte, há provas de que ele não cometeu o crime, e sua execução será em poucos dias. Então o ex-detetive entra com tudo na reabertura do caso, mesmo com a memória falhando e mantendo vínculo com pessoas mal-intencionadas. Russel Crowe até que se esforça, mas vem numa má fase, de filmes irrisórios. Tem participação nada interessante de Karen Gillan, de ‘Guardiões da galáxia’, e quem estreia na direção é Adam Cooper, roteirista de ‘Assassin's Creed’ e ‘Êxodus: Deuses e monstros’ – é dele o roteiro de ‘A teia’, baseado no romance “O livro dos espelhos”, de E.O. Chirovici. Fraco, fraco... Nos cinemas brasileiros pela Imagem Filmes e California Filmes.
Estreou nesse fim de
semana nos cinemas essa regular fita de sequestro, coprodução Brasil/EUA,
inspirada em um fato real, com atores brasileiros, ingleses e australianos e
direção do português Pedro Varela, de ‘A canção de Lisboa’. No filme, tenso e
cheio de cenas enérgicas, a jovem Mary (Ellie Bamber, de ‘Animais noturnos’) é
uma estrangeira que chega para morar no RJ. Ela sofre um sequestro relâmpago ao
lado do namorado, Gabriel (James Frecheville, de ‘Reino Animal’). Durante uma
noite de pesadelo, eles ficam sob a mira do revólver dos bandidos dentro de uma
van que perambula pela cidade, enquanto a polícia tenta encontrá-los. Outras
duas histórias de violência surgem paralelamente para completar a trama
central. Bem realizado, é um drama com toque de policial refinado. Gostei e
recomendo. Nos cinemas pela Vinny Filmes.
Plano 75 (2022)
Um filme japonês de
drama com ficção científica que chegou nos cinemas para mexer com nossos
sentidos. Quem dirige é a estreante Chie Hayakawa, que procurou aqui fazer uma
reflexão sobre o etarismo. A trama se passa num futuro distópico; para conter o
envelhecimento da população o governo lança o Plano 75, em que os idosos com 75
anos devem entrar num programa de eutanásia. Uma mulher prestes a completar tal
idade, um negociante do Plano e uma garota filipina se dividem entre viver ou
morrer, aceitar aquela condição ou lutar contra a imposição do sacrifício
final. Complexo, com diálogos fortes, o filme ganhou Menção Especial no Caméra
D’Or do Festival de Cannes 2022, na seção Um Certo Olhar, e foi submetido para
representar o Japão no Oscar em 2023, como Melhor Filme Estrangeiro, mas ficou
fora da lista dos finalistas. Está nos cinemas, com distribuição da Sato
Company.
Clube zero (2023)
Particularmente, achei
um dos filmes mais especiais que vi nos últimos meses, e já está na lista das
melhores estreias do ano no Brasil. Indicado a Palma de Ouro no Festival de
Cannes, tem uma história estranha e conturbada, com direção potente da cineasta
austríaca Jessica Hausner, de ‘Little Joe: A flor da felicidade’. Um grupo de
estudantes de uma escola de elite participa de um programa de nutrição liderado
pela professora Novak (Mia Wasikowska, de ‘Segredos de sangue’), cujo objetivo
é a reeducação alimentar. Porém os métodos dela não são ortodoxos, ela revoluciona
os hábitos alimentares dos estudantes ao extremo, a ponto de emagrecerem muito
e passarem mal. O programa se fortalece como uma seita, cujos princípios levam todo
o grupo a um desfecho trágico. Os planos e enquadramentos inusitados se aliam a
uma fotografia de cores vibrantes e a uma trilha sonora de arrepiar, tornando o
filme especial. Sem falar na ótima intepretação de Mia, uma das minhas atrizes
favoritas. Um filme sobre os perigos das dietas rigorosas e descontroladas que
são vendidas por aí. Está nos cinemas das principais capitais, distribuído pela
Pandora Filmes. Classificação indicativa de 18 anos.
Grey Gardens (Idem). EUA, 1975, 94 minutos. Documentário. Colorido. Dirigido por Albert Maysles e David Maysles. Distribuição: Obras-primas do Cinema (DVD de 2016) e IMS (DVD de 2020)
José Aparecido de
Oliveira – O maior mineiro do mundo
(2019)
Documentário brasileiro sobre a trajetória do jornalista, deputado federal por Minas Gerais – depois cassado na Ditadura militar, Governador do Distrito Federal, Ministro da Cultura no Governo Sarney e Embaixador José Aparecido de Oliveira (1929-2007), que trabalhou em prol a cultura e conviveu com autoridades do meio político, empresarial e cultural do Brasil e do mundo. Imagens de arquivo e vídeos dele compõem o filme, juntamente com depoimentos de amigos como Fernanda Montenegro, Ziraldo, José Sarney, Luiz Carlos Barreto, Vladimir Carvalho, Jaguar e Celso Amorim. Exibido no Festival de Brasília de 2019, o filme entra somente agora nos cinemas, depois de cinco anos, em salas do RJ, SP, Brasília e BH. Distribuição da Bretz Filmes.
Névoa prateada (2023)
Coprodução Holanda e
Reino Unido, esse contundente e dramático filme independente conta a história
de uma jovem enfermeira que busca se vingar dos culpados pelo acidente que
deixou seu corpo com graves queimaduras. Enquanto revê o passado, apaixona-se
por uma paciente do hospital onde trabalha, e juntas fogem para uma cidadezinha
do litoral. A ótima atriz Vicky Knight, que de verdade teve 40% do corpo
queimado por causa de um incidente, ganhou o prêmio de júri no Teddy, no
Festival de Berlim, e lá o filme concorreu ao Panorama. A diretora iniciante
Sacha Polak conduz o elenco de maneira formidável e dá uma aula na condução da
história e na fotografia. Exibido na Mostra Intl. de Cinema de SP do ano
passado, acaba de estrear nos cinemas das principais capitais. Distribuição da Bitelli
Films.
Zona de exclusão (2023)
A diretora polonesa Agnieszka Holland, de ‘Colheita amarga’ (19), ‘Filhos da guerra’ (2023) – pelo qual foi indicada ao Oscar de roteirista, e de mais de 30 longas, muitos deles premiados em festivais como Berlim, Cannes e Veneza, faz aqui um retrato dramático e contundente sobre refugiados de guerra em meio a uma crise humanitária sem fim. Uma família síria escapa da guerra civil no país e ao lado de um professor afegão, seguem até a fronteira entre a Polonia e Belarus para pedir ajuda. Lá se encontram com um guarda e uma ativista que dão apoio a refugiados na floresta. Com 153 minutos, todo feito em preto-e-branco – aliás, um capricho de fotografia, o filme dá uma dimensão humana ao tratar dos horrores da guerra. Foi aplaudido nos diversos festivais por onde passou, e em Veneza, recebeu sete prêmios especiais, um marco no festival, dentre eles o do júri, além de ser indicado ao Leão de Ouro. Está nos cinemas brasileiros, com distribuição da A2 Filmes.
Coleção ‘Sessão dupla:
Tomates assassinos’