sexta-feira, 3 de maio de 2024

Cine Cult


Confira a resenha de três filmes cultuados, de gêneros diferentes e produzidos em épocas distintas. Disponíveis em DVD, bluray e no streaming.

Adoção

Uma viúva (Katalin Berek) envolve-se com um homem casado. Ela deseja ser mãe, porém atingiu os 40 anos. Caminhando pela rua, entra numa instituição que abriga órfãos, e lá conhece uma jovem moça abandonada pelos pais. Entre elas nasce um forte vínculo que testará os limites das duas mulheres.

A distribuidora Obras-primas do Cinema destaca em seus últimos lançamentos em DVD o cinema de Márta Mészáros, cineasta socialista e feminista de origem judia, expoente do Novo Cinema Húngaro, que reformulou as bases e as teorias da produção cinematográfica do país no pós-guerra. Suas obras sociais e críticas tratam justamente do trabalho das mulheres no país intercalando temas como maternidade e solidão na meia-idade. ‘Adoção’ (1975), seu principal filme, trata desses temas, com enfoque nos dois últimos. De forma delicada, com muitas cenas de troca de olhares e longas sequências de silêncio, a diretora - e também roteirista aqui - conta a história de uma mulher solitária e cheia de amarguras, viúva, que deseja ser mãe agora com mais de 40 anos. Ela fica fixada em uma menina prestes a atingir a maioridade, que vive em uma instituição de caridade, uma espécie de orfanato para jovens. De início as duas mulheres de mundos tão opostos têm crispações, mas aos poucos uma encontra conforto ao lado da outra. No filme acompanhamos a crise de meia-idade da protagonista, feito pela grande atriz húngara já falecida Katalin Berek, e os dilemas da jovem que cresce sem lar, sem pais, sem futuro – outro bom papel, o da atriz Gyöngyvér Vigh.
Mészáros filma tudo numa belíssima fotografia preto-e-branca, e com este trabalho ganhou o Urso de Ouro em Berlim - foi a primeira mulher a receber o prêmio no festival.



É um filme belo e trágico, que merece ser descoberto, ainda mais agora nessa grande cópia em DVD pela Obras-primas do Cinema – recomendo assistirem também ao making of de quase uma hora sobre a diretora, que vem como extra.

Adoção (Örökbefogadás). Hungria, 1975, 89 min. Drama. Preto-e-branco. Direção: Márta Mészáros. Distribuição: Obras-primas do Cinema.


A sétima profecia

O fim dos tempos está próximo. A chegada de um misterioso andarilho (Jürgen Prochnow) em uma cidade coincide com graves alterações climáticas ao redor do mundo - os mares se agitam, o calor aumenta, as catástrofes da natureza levam milhares à morte. O andarilho segue até a casa de Abby Quinn (Demi Moore) e seu marido (Michael Biehn), que esperam um bebê. Um padre vindo do Vaticano (Peter Friedman) investiga as estranhas ocorrências.

Lançado no finalzinho dos anos 80, quando já se profetizava o fim do mundo com a chegada do próximo milênio, esse filme de drama, suspense e terror foi um dos tantos nessa linha catastrofista. Na história, fenômenos climáticos entram em choque e colocam a vida de milhões em risco com a chegada de um andarilho misterioso numa cidadezinha. Um casal que espera o nascimento do primeiro filho é procurado incessantemente por esse homem, que tem uma revelação a fazer. Do outro lado, um padre, emissário do Vaticano e ligado à ciência, desconfia desses fenômenos e inicia uma longa e perigosa investigação que colocará a vida de todos em jogo.
O filme popularizou-se em VHS, não é uma obra impressionante, mas serve como entretenimento nessa linha de filmes sobre o Apocalipse, ou como queiram, o Juízo Final. Há uma ambientação estranha, um clima de perturbação que nos deixa angustiados e atentos para o desfecho. Qual o segredo que o andarilho guarda?




Quem dirige é Carl Schultz, que trabalhou mais em séries de TV, e o roteiro é de Clifford e Ellen Green, casados na época, de ‘SpaceCamp – Aventura no espaço’ (1986) e que depois fariam um filme semelhante a esse, ‘A filha da luz’ (2000). Demi Moore estava em início de carreira, logo se tornaria estrela, e Michael Biehn já se projetava no cinema após ‘Aliens, o resgate’ (1986). O alemão Jürgen Prochnow, de ‘O barco – Inferno no mar’ (1981), faz o papel do andarilho que não sabemos ser anjo ou demônio.
Disponível em DVD, recém-lançado num digipack especial pela Classicline, com cards.

A sétima profecia (The seventh sign). EUA, 1988, 97 minutos. Drama/Terror. Colorido. Dirigido por Carl Schultz. Distribuição: Classicline


Verão de 85

No verão francês de 1985, prestes a completar 16 anos, Alexis (Félix Lefebvre) é salvo de um acidente de barco na costa da Normandia. Quem o resgata das águas é David (Benjamin Voisin), um rapaz de 18 anos que gosta de nadar e trabalha com a mãe na loja da família. Alexis e David tornam-se grandes amigos, até que se apaixonam.

Em parceria com a distribuidora California Filmes, a Versátil Home Video lançou há pouco tempo, em bluray, esse simpático drama romântico gay de um dos diretores mais aclamados da França atual, François Ozon, de ‘8 mulheres’ (2002), ‘Swimming pool - À beira da piscina’ (2003), ‘Dentro de casa’ (2012) e ‘Graças a Deus’ (2018). O diretor realizou mais de 30 longas-metragens, grande parte autoral e semiautobiográfico; muitos retratam o universo feminino e há alguns polêmicos que tocam em tema tabu, como pedofilia. Além de diretor, Ozon é roteirista, montador e produtor.
De forma crível, sem flertar com o melodrama barato, em ‘Verão de 85’ ele apresenta o relacionamento de dois garotos na fase de amadurecimento, em que se conhecem após um incidente de proporções quase trágicas. A amizade entre eles aumenta, passam a dormir na casa um do outro, até que um inevitável relacionamento amoroso acontece. Um deles tem fixação com a morte e é pensativo, enquanto o outro quer curtir a vida e as baladas e nadar. Dois jovens estranhos nos anos 80, de personalidades diferentes, no desabrochar da vida e das curiosidades amorosas, que procuram se confortar quando estão juntos. Suas famílias não sabem do romance secreto, mas desconfiam. Só que, de maneira abrupta e chocante, o romance, que parecia engrenar, sofrerá uma fatalidade do destino.
Ozon escreveu o delicado roteiro levemente inspirado no romance infanto-juvenil ‘Dance on my grave’, uma obra literária do início dos anos 80 e que faz parte de uma série, do britânico Aidan Chambers – o título inusitado aparecerá em uma cena emocionante do filme. Ozon tem apuro com a técnica, trabalhou bem com o diretor de fotografia belga Hichame Alaouie, de ‘Propriedade privada’ (2006), que usa paletas de cores variadas, de cores fortes e sensuais aos tons pastéis. A trilha sonora é muito boa, com clássicos como ‘Cruel summer’, de Bananarama, ‘In between days’, de The Cure, e ‘Sailing’, de Rod Stewart, que dão sentido ao enredo e às experiências dos dois personagens.





Exibido nos Festivais de Cannes, San Sebastian e no César, o filme é contado por meio de flashbacks pelo ator principal, o bom Félix Lefebvre, de ‘O professor substituto’ (2018).
Um filme com uma história singela e verdadeira que merece ser descoberto.
No bluray lançado pela Versátil, o filme vem em caixa com luva reforçada e traz o filme com comentários em áudio do cineasta e uma hora de vídeos extras, incluindo o curta-metragem ‘Um vestido de verão’ (‘Une robe d'été’, de 1996), de François Ozon, exibido na Semana da Crítica em Cannes e que está na origem de ‘Verão de 85’. Na caixa vem um livreto de 16 páginas, um pôster e dois cards. O filme também está disponível no Telecine, e para aluguel no Prime Video, Apple TV e Youtube Filmes.

Verão de 85 (Été 85). França, 2020, 101 minutos. Drama/Romance. Colorido. Dirigido por François Ozon. Distribuição: Versátil Home Video

Estreias nos cinemas

 

Verissimo (Brasil, 2024, 89 minutos, de Angelo Defanti)

 

Chega aos cinemas brasileiros um dos melhores documentários da edição desse ano do Festival É Tudo Verdade (que terminou no mês passado). ‘Verissimo’ traz a rotina do escritor gaúcho Luís Fernando Verissimo prestes a completar 80 anos – o doc foi filmado em 2016 e só lançado agora. A agenda cheia de Verissimo está presente, com viagens para lançar livros pelo Brasil, participação em conferências, recepção de amigos em casa, entrevistas para TV e telefonemas que não cessam. Cansado e de voz baixa, Verissimo fala sobre sua velhice e como ele lida com essa fase da vida, enquanto sua mente trabalha a mil por hora. Não é uma biografia do escritor, até porque já existem dois filmes sobre ele, e sim essa amostra da rotina do escritor em casa e nos diversos tipos de trabalho. O diretor Angelo Defanti já tinha contato com o universo de Verissimo, pois adaptou um dos livros do gaúcho para o cinema, ‘O clube dos anjos’ (2020). Distribuição pela Boulevard Filmes em codistribuição com  a Vitrine Filmes e Spcine.

 

 

Here (Bélgica, 2023, 82 minutos, de Bas Devos)

 

Vencedor de dois prêmios no Encounters do Festival de Berlim de 2023 e exibido na edição passada do Festival do Rio, o poético drama independente ‘Here’ é mais uma amostra do bom cinema do belga Bas Devos, de ‘Trópico fantasma’ (2019). Ele conta com silêncio e filosofia – o filme não tem trilha sonora, apenas sons da natureza, por isso muito contemplativo – a história de um imigrante romeno que está em Bruxelas trabalhando na construção civil. Ele se prepara para voltar ao país natal. Só que antes faz uma jornada para se despedir dos amigos, em seus últimos dias na Bélgica. Conhece uma jovem de origem chinesa e resolvem se embrenhar numa floresta para analisar musgos para uma pesquisa dela. Ali nascerá uma forte amizade. Um filme sobre encontros e despedidas marcados pelo tempo presente, com bonita fotografia, especialmente a da floresta verde e úmida. Gostei, porém indico para quem segue fitas cult e de narrativa lenta. Distribuição da Zeta Filmes.

 


 

Conduzindo Madeleine (França/Bélgica, 2022, 91 minutos, de Christian Carion)

 

Adorável, um filme que é para ver e rever, e lembra, não só no título, mas na história, ‘Conduzindo Miss Daisy’ (1989), ganhador do Oscar de melhor filme. Nessa coprodução França/Bélgica feita em 2022 e só distribuída agora nos cinemas brasileiros, conhecemos a amizade de um taxista (Dany Boon, de ‘A Riviera não é aqui’) com sua nova e especial passageira, Madeleine, uma meiga senhorinha de 92 anos (papel impressionante de Line Renaud, de ‘Noites sem dormir’, na época com 94 anos!). Ele tem de levá-la para uma casa de repouso onde irá morar, no entanto, antes, os dois farão um passeio por Paris, pelos lugares onde Madeleine cruzou desde a infância. Cativante e bem curtinho, a comédia dramática fez sucesso no Festival Varilux de Cinema Francês, depois de ser exibido no Festival de Toronto. Dirigido por Christian Carion, do drama de guerra indicado ao Oscar ‘Feliz natal’ e da recente fita policial ‘Meu filho’. Em cartaz nos cinemas, distribuído pela California Filmes.

 


 

A teia (EUA/Austrália, 2024, 110 minutos, de Adam Cooper)

 

Fita policial com suspense típica das antigas sessões do Supercine, com reviravoltas, algumas cenas de ação e muito mistério. Até certa altura achei que a ideia seria original, com revelações surpreendentes, mas foi se tornando previsível. Russel Crowe, de ‘Gladiador’, interpreta um ex-detetive com Mal de Alzheimer que está em um tratamento pioneiro para restaurar sua memória. Um dia, é convocado para auxiliar num caso que atuou no passado, envolvendo um assassinato – o suspeito está no corredor da morte, há provas de que ele não cometeu o crime, e sua execução será em poucos dias. Então o ex-detetive entra com tudo na reabertura do caso, mesmo com a memória falhando e mantendo vínculo com pessoas mal-intencionadas. Russel Crowe até que se esforça, mas vem numa má fase, de filmes irrisórios. Tem participação nada interessante de Karen Gillan, de ‘Guardiões da galáxia’, e quem estreia na direção é Adam Cooper, roteirista de ‘Assassin's Creed’ e ‘Êxodus: Deuses e monstros’ – é dele o roteiro de ‘A teia’, baseado no romance “O livro dos espelhos”, de E.O. Chirovici. Fraco, fraco... Nos cinemas brasileiros pela Imagem Filmes e California Filmes.




domingo, 28 de abril de 2024

Estreias nos cinemas


Vidro fumê (2024)

 

Estreou nesse fim de semana nos cinemas essa regular fita de sequestro, coprodução Brasil/EUA, inspirada em um fato real, com atores brasileiros, ingleses e australianos e direção do português Pedro Varela, de ‘A canção de Lisboa’. No filme, tenso e cheio de cenas enérgicas, a jovem Mary (Ellie Bamber, de ‘Animais noturnos’) é uma estrangeira que chega para morar no RJ. Ela sofre um sequestro relâmpago ao lado do namorado, Gabriel (James Frecheville, de ‘Reino Animal’). Durante uma noite de pesadelo, eles ficam sob a mira do revólver dos bandidos dentro de uma van que perambula pela cidade, enquanto a polícia tenta encontrá-los. Outras duas histórias de violência surgem paralelamente para completar a trama central. Bem realizado, é um drama com toque de policial refinado. Gostei e recomendo. Nos cinemas pela Vinny Filmes.

 

 

Plano 75 (2022)

 

Um filme japonês de drama com ficção científica que chegou nos cinemas para mexer com nossos sentidos. Quem dirige é a estreante Chie Hayakawa, que procurou aqui fazer uma reflexão sobre o etarismo. A trama se passa num futuro distópico; para conter o envelhecimento da população o governo lança o Plano 75, em que os idosos com 75 anos devem entrar num programa de eutanásia. Uma mulher prestes a completar tal idade, um negociante do Plano e uma garota filipina se dividem entre viver ou morrer, aceitar aquela condição ou lutar contra a imposição do sacrifício final. Complexo, com diálogos fortes, o filme ganhou Menção Especial no Caméra D’Or do Festival de Cannes 2022, na seção Um Certo Olhar, e foi submetido para representar o Japão no Oscar em 2023, como Melhor Filme Estrangeiro, mas ficou fora da lista dos finalistas. Está nos cinemas, com distribuição da Sato Company.

 

 

Clube zero (2023)

 

Particularmente, achei um dos filmes mais especiais que vi nos últimos meses, e já está na lista das melhores estreias do ano no Brasil. Indicado a Palma de Ouro no Festival de Cannes, tem uma história estranha e conturbada, com direção potente da cineasta austríaca Jessica Hausner, de ‘Little Joe: A flor da felicidade’. Um grupo de estudantes de uma escola de elite participa de um programa de nutrição liderado pela professora Novak (Mia Wasikowska, de ‘Segredos de sangue’), cujo objetivo é a reeducação alimentar. Porém os métodos dela não são ortodoxos, ela revoluciona os hábitos alimentares dos estudantes ao extremo, a ponto de emagrecerem muito e passarem mal. O programa se fortalece como uma seita, cujos princípios levam todo o grupo a um desfecho trágico. Os planos e enquadramentos inusitados se aliam a uma fotografia de cores vibrantes e a uma trilha sonora de arrepiar, tornando o filme especial. Sem falar na ótima intepretação de Mia, uma das minhas atrizes favoritas. Um filme sobre os perigos das dietas rigorosas e descontroladas que são vendidas por aí. Está nos cinemas das principais capitais, distribuído pela Pandora Filmes. Classificação indicativa de 18 anos.

 


 

sábado, 27 de abril de 2024

Resenhas Especiais



Grey Gardens

Mãe e filha, Edith Bouvier Beale e Edith ‘Little Edie’ Beale, abrem as portas de sua mansão decadente e tomada pela sujeira em East Hampton, próximo de Nova York, para os irmãos documentaristas Albert e David Maysles registrarem o cotidiano das duas. Elas cantam, recitam poemas, lembram do passado da era de ouro de Nova York e vivem intensos conflitos a ponto de discutirem na frente das câmeras. Big Edie e Litlle Edie eram, respectivamente, tia e prima da ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy, e, na época, estavam prestes a ser despejadas do antigo casarão.

Uma obra-prima do documentário contemporâneo, que explora a conflitante relação de mãe e filha, presas às memórias do passado. Um vínculo de amor e ódio frente às câmeras. Edith Ewing Bouvier Beale (1895-1977) e Edith Bouvier Beale (1917-2002) eram, respectivamente, tia e prima de Jacqueline Kennedy, a ex-primeira-dama dos Estados Unidos, e voltaram à mídia dois anos antes, em 1973, quando ilustraram manchetes de jornais americanos sobre suas dificuldades financeiras. Esse escândalo repercutiu quando autoridades policiais e a vigilância sanitária interditaram a mansão Grey Gardens onde lá viviam na pobreza as duas ‘Edies’ – a mãe, conhecida como Big Edie, e a filha, Little Edie. No casarão decadente à beira-mar num balneário de luxo, East Hampton, a 160 quilômetros de Nova York, moravam no meio de ratos, gatos e guaxinins, em precárias condições de higiene. Janelas quebradas, portas tomadas por mofo, paredes com enormes rachaduras e infiltração é o cenário de decadência que vemos no documentário. Por muito pouco não foram despejadas – quando o caso estourou na mídia, as duas tiveram auxílio de Jackie Kennedy por um curto período, que mandou equipes de limpeza organizarem a casa; no entanto o local voltou a ser como era, meses depois. Dois anos mais tarde, elas abriram as portas do decrépito casarão para mostrar seus dias aos documentaristas, os irmãos Albert e David Maysles. Entre lixo e memórias do passado glamouroso, elas relatam como era a vida trinta anos atrás; Big Edie era uma socialite e cantora, e a filha, era modelo e procurava trabalho em Hollywood. Por ironia do destino, entraram em profunda crise financeira, isolando-se de tudo e de todos. À frente das câmeras, recitam poemas, cantam velhas canções e brigam muito. Tudo é captado, sem interferência dos diretores – o filme foi um marco do ‘cinema direto’, aquele em que os documentaristas usam câmera móvel e o som direto, captam tudo o que acontece sem manipular a cena, sendo que a realidade aparece em estado puro, mostrando o mundo real, como ele é. Big Edie, com 80 anos, está sempre deitada na cama, doente, com fotografias no colo (ela morreria dois anos depois), e a filha, divorciada, anda eufórica de lá para cá, vestindo maiôs e roupas coladas em cores extravagantes, lembrando das histórias de suas vidas, sempre com ar melancólico e desalentado. Numa cena famosa, ela dança sorridente com uma bandeira dos Estados Unidos, agitando-a.
É um documentário emblemático, muito conhecido. Os irmãos Maysles fizeram diversos doc juntos e pelo menos dois outros entraram para a história do documentário – ‘Caixeiro-viajante’ (1969), sobre vendedores de Bíblia que batem de porta em porta, num filme que reflete a América profunda e virou símbolo do ‘cinema direto’ e do ‘filme etnográfico’, e ‘Gimme shelter’ (1970), sobre a turnê dos Rolling Stones em que se discute o fim da geração ‘paz e amor’ da Woodstock.




‘Grey Gardens’ saiu em duas versões em DVD – em 2016 pela Obras-primas do Cinema, com quase uma hora de extras, e em 2020 pelo IMS numa edição em disco duplo, contendo um segundo filme, ‘As Beales de Grey Gardens’ (2006), em que os diretores, os irmãos Maysles, trinta anos depois, fizeram um novo longa-metragem com cenas não usadas do filme de 1975 – o que se assiste é um complemento de ‘Grey Gardens’, com momentos inéditos daquela gravação, que ficaram guardados.
Em 2009 a HBO lançou ‘Grey Gardens: Do luxo à decadência’, um telefilme de drama em que as atrizes Jessica Lange e Drew Barrymore interpretam, respectivamente, Edith mãe e Edith filha. A série ficcional, que ganhou seis prêmios Emmy e dois Globos de Ouro, reproduz os principais momentos do documentário – as atrizes estão brilhantes, e traz flashbacks dos anos dourados das Beales.

Grey Gardens (Idem). EUA, 1975, 94 minutos. Documentário. Colorido. Dirigido por Albert Maysles e David Maysles. Distribuição: Obras-primas do Cinema (DVD de 2016) e IMS (DVD de 2020)



As Beales de Grey Gardens

Na mansão decadente de Grey Gardens, num balneário de luxo próximo a Nova York, mãe e filha vivem no meio do lixo e do abandono, cercadas por memórias dos anos dourados, de quando integravam a alta sociedade dos Estados Unidos. As Beales eram tia e prima de Jaqueline Kennedy Onassis, a ex-primeira-dama dos Estados Unidos.

Trinta anos depois do fabuloso documentário ‘Grey Gardens’ (1975), obra máxima do ‘cinema direto’ contemporâneo, os irmãos documentaristas Albert e David Maysles lançaram um segundo filme sobre Edith Ewing Beale e Edith Beale, mãe e filha que eram tia e prima da ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy Onassis e que viveram reclusas numa mansão chamada Grey Gardens, tomada por mato, sujeira e bichos selvagens. O filme ‘As Beales de Grey Gardens’ (2006) traz novas e nunca exibidas imagens daquele documentário passado, que ficaram guardadas nos arquivos dos Maysles. Em 1975, eles captaram mais de quatro horas, em vídeo, da relação de amor e ódio entre as Beales, e utilizaram parte do material audiovisual, cerca de 1h35, para o filme original. Na nova obra, cortaram mais 1h30 para retomar a história de vida de Big Edie e Little Edie, do luxo à decadência. O protagonismo desse segundo documentário é com a filha, que volta a falar sobre a quase carreira de atriz – ela era modelo nos anos 50, e por pouco não foi chamada para fazer filmes em Hollywood. Tomada por um misto de raiva e desilusão, ela revela novos fatos de seu passado, enquanto perambula pela casa e por fora – os jardins ao redor do casarão Grey Gardens aparecem pouco no primeiro documentário, e agora temos a noção da dimensão do lugar, que ficava à beira-mar, isolado da cidade – lá, Jackie Kennedy passava a infância com seus pais. Já Big Edie, na cama, traz outras lembranças dos anos dourados, quando integrava a alta sociedade, era cantora e se sentava à mesa de celebridades artísticas e políticos.
Os gatos, guaxinins, álbuns de fotografia e restos de lixo continuam aparecendo nas gravações – dois anos antes do lançamento do original ‘Grey Gardens’, mãe e filha estamparam as manchetes dos noticiários, em 1973, pois a mansão não tinha condições de higiene para moradia, estava tomada pelo abandono e por animais. Essa desorganização do ambiente reflete o estado mental das personagens, presas ao passado, que contam as mesmas histórias, usam roupas de antigamente e guardam ressentimentos.



O filme é um ótimo complemento do anterior, e está disponível em DVD pelo IMS, numa edição lançada em 2020, em dois discos – no primeiro, o original ‘Grey Gardens’ (1975), e no segundo disco, ‘As Beales de Grey Gardens’ (2006), além de 30 minutos de extra e um livreto de 44 páginas com textos de Albert Maysles e outros. Num dos trechos de seu texto, que está no livreto, Maysles diz assim sobre os dias que conviveu com as Beales para fazer os dois documentários: “Elas passavam seus dias não a perseguir o sucesso ou o reconhecimento social, mas, sim, cultivando as próprias relações amorosas conflituosas, entretendo uma à outra (e a nós) com tiradas espirituosas, trocadilhos, canções, poesia, dança e a recitação de memórias de seu passado. Elas encontram beleza até no inevitável envelhecimento da carne, que a maioria de nós tem pavor de enfrentar”.

As Beales de Grey Gardens (The Beales de Grey Gardens). EUA, 2006, 91 minutos. Documentário. Colorido/Preto-e-branco. Dirigido por Albert Maysles e David Maysles. Distribuição: IMS

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Nota do Blogueiro


Cine Debate exibe amanhã documentário sobre questão indígena

O Cine Debate do Imes Catanduva exibe amanhã, dia 27/04, o documentário brasileiro “A nação que não esperou por Deus” (2015, 89 minutos), da premiada diretora Lucia Murat, que o fez ao lado do cineasta Rodrigo Hinrichsen. Sessão e debate será no Espaço de Tecnologia e Artes (ETA) do SESC Catanduva, às 14h, gratuito e aberto a todos os públicos. A mediação do debate será pelo idealizador do Cine Debate, o jornalista, professor do IMES e do SENAC e crítico de cinema Felipe Brida.

Sinopse do filme: 15 anos após realizar o drama ‘Brava gente brasileira’ (2000), a diretora Lucia Murat retorna à reserva dos Kadiwéus, no Mato Grosso do Sul. Agora os indígenas enfrentam os pecuaristas que nos últimos anos invadem e destroem as terras indígenas, demarcada naquela região há quase quarenta anos. Nesse documentário, Murat entrevista os indígenas que falam sobre a ocupação de suas terras e os conflitos, além da chegada da eletricidade e das tecnologias nas aldeias.



Cine Debate

O Cine Debate é um projeto de extensão do curso de Psicologia do IMES Catanduva em parceria o SESC e o SENAC Catanduva. Completou 12 anos em 2024 trazendo filmes cult de maneira gratuita a toda a população. Conheça mais sobre o projeto em https://www.facebook.com/cinedebateimes 


sábado, 20 de abril de 2024

Especial de cinema


O mal, o terrificante, o profano: uma análise de ‘A sentinela dos malditos’ a partir da Estética do Feio

Por Felipe Brida *

Em junho de 1968, um filme de terror estreava nas salas de cinema e mudaria para sempre a maneira de se fazer horror movies. ‘O bebê de Rosemary’, de Roman Polanski, era uma navalha no olho do público. Mexeu com os nervos das plateias num período em que a indústria de cinema norte-americana se reorganizava em torno da Nova Hollywood, um jeito diferente de se fazer cinema, rompendo com padrões estéticos/estilísticos, abrindo caminho para as produções autorais e trazendo para a telona temas infinitos e nunca explorados. ‘O bebê de Rosemary’ foi um marco expressivo desse momento, um terror psicológico moderno, com clima de mistério permanente e profundamente assustador com suas imagens delirantes. Deu margem para uma fila de cineastas rodarem obras semelhantes, com o mal encarnado em pessoas comuns, de lugares corriqueiros com manifestações demoníacas, e grupos de indivíduos performarem rituais satanistas. ‘A sentinela dos malditos’ (‘The sentinel’, de 1977) é um filho bastardo de ‘O bebê de Rosemary’, com personagens e ambientação semelhantes.


A protagonista é uma modelo chamada Alison Parker (Cristina Raines, de ‘Nashville’, de 1975, e ‘Os duelistas’, de 1977), que, mesmo contra sua vontade, irá se casar com o charmosão Michael Lerman (Chris Sarandon, de ‘Um dia de cão’, de 1975, e ‘Brinquedo assassino’, de 1988). Antes do matrimônio, ela quer passar uma pequena temporada sozinha. Procura então um apartamento em Nova York para residir. Anda por alguns bairros e chega ao Brooklyn. Alison vai até a um edifício antigo, de estilo londrino, cujo aluguel é bem barato. Ela não desconfia do local, faz a mudança e começa a se adaptar ali. Solitária no apartamento, relembra o trágico passado que a fez tentar suicídio: na adolescência, o pai, mulherengo, fazia orgias em sua casa com meia dúzia de mulheres, e ela observava tudo escondida. Uma vez, surpreendida pelo pai nu, num dos bacanais, apanhou bastante dele. Quando flashbacks dessa época vêm à mente, ela se petrifica e desmaia. Atualmente, o pai está hospitalizado, agonizando na cama, e ela não o visita. O passado se mistura ao presente, parece que Alison volta na casa da adolescência e vê aquela garota indefesa e traumatizada perambulando pelo atual apartamento. Ela recebe todo dia a visita de um vizinho, Sr. Chazen (Burgess Meredith, de ‘Rocky, um lutador’, de 1976, e ‘Fúria de titãs’, de 1981), um idoso alegre, que mora com um gato e um passarinho. Parece se acostumar ao lugar. Quando explora o prédio, dá de cara com Gerde (Sylvia Miles, de ‘Perdidos na noite’, de 1969, e ‘Pague para entrar, reze para sair’, de 1981), uma professora de balé, cuja pupila fica grudada a ela no sofá. Percebe, com o passar dos dias, que todos os moradores são idosos, alguns receptivos, outros arredios. Alison passa a presenciar fatos estranhos, como o gato de Sr. Chazen trucidando o passarinho amarelo dele, e situações incômodas, como a pupila da professora de balé que tem tremores numa espécie de frisson sexual. O espectro do pai doente vem visitá-la no apartamento. E tudo evolui para algo mais complexo, diabólico e aterrador. Paralelamente, um cardeal, Franchino (Arthur Kennedy, de ‘A caldeira do diabo’, de 1957, e ‘Lawrence da Arábia’, de 1962), recebe um sinal para ajudar aquela garota.
Nesse terror satanista, claustrofóbico e nauseante, nunca a Estética do Feio esteve tão bem representada. Umberto Eco, no notório livro ‘História da Feiura’ (2007), faz um passeio pela História da Arte, pela música e pelo cinema ao estudar o ‘feio’ como estilo. Eco diz que o feio é “aquilo que é repelente, horrendo, asqueroso, desagradável, grotesco, abominável, vomitante, odioso, indecente, imundo, sujo, obsceno, repugnante, assustador, abjeto, monstruoso, horrível, hórrido, horripilante, nojento, terrível, terrificante, tremendo, monstruoso, revoltante, repulsivo, desgostante, aflitivo, nausebundo, fétido, apavorante, ignóbil, desgracioso, desprezível, pesado, indecente, deformado, disforme, desfigurado (para não falar das formas como o horror pode se manifestar em territórios designados tradicionalmente para o belo, como o legendário, o fantástico, o mágico, o sublime”. (ECO, 2007, p.18 e 19).
Ainda em ‘História da Feiura’, na introdução, Eco cita uma passagem de ‘Crepúsculo dos ídolos - ou Como filosofar com o martelo’, penúltimo livro de Nietzsche, publicado em 1888. Nietzsche diferencia assim a Estética do belo e do feio: “No belo, o ser humano se coloca como medida da perfeição; [...] adora nele a si mesmo. [...] No fundo, o homem se espelha nas coisas, considera belo tudo que lhe devolve a sua imagem. [...] O feio é entendido como sinal e sintoma de degenerescência [...] Cada indício de esgotamento, de peso, de senilidade, de cansaço, toda espécie de falta de liberdade, como a convulsão, como a paralisia, sobretudo o cheiro, a cor, a forma da dissolução, da decomposição [...] tudo provoca a mesma reação: o juízo de valor ‘feio’. [...] O que odeia aí o ser humano? Não há dúvida: o declínio de seu tipo”. (ECO, 2007, p.15, apud NIETZSCHE, 1888, p.33).




Em ‘A sentinela dos malditos’, o feio reside no clima constante de agouro e morte, nas criaturas apodrecidas e deformadas como se fossem mortos-vivos que vão surgindo na tela, na explosão de choque e horror de algumas sequências de violência. A protagonista, diante do horror imanente que toma conta daquele prédio, confunde realidade com tormento. Cenas impressionam com a qualidade do feio - o pai doente, que aparece de repente com bolhas nojentas no rosto, quase em estado de putrefação, demarca o feio na condição do grotesco, do repelente e do fétido (segundo Eco e também de acordo com Wolfgang Kayser em seu livro ‘O grotesco’); um padre decrépito, misterioso e cego, que não fala, que mora no último andar do prédio e fica na janela como um guardião olhando para fora, está no território do feio menos pungente, do feio mais normalizado, que é o do aflitivo e do assustador; mulheres canibais nuas que comem um morto e se esbaldam nas vísceras entra na aura do feio vomitante, indecente, imundo e obsceno; e no desfecho, no desfile de monstruosidades, a horda de gente amórfica, com deformações, que sai do inferno para atacar (um deles tem um saco escrotal nas bochechas), transita, pelo que Eco destaca, no ambiente do feio monstruoso, nauseabundo, desprezível, disforme e desfigurado.
Ainda se pensarmos na estética do Feio, discute-se no filme o ‘mal moral’, conceito do filósofo alemão Karl Rosenkranz, que também estudou o feio nas culturas e na religião, e publicou em 1853 uma obra visionária, didática e precursora, ‘Estética do Feio’. O feio, para Rosenkranz, é o “Inferno do belo”, e características como ‘demoníaco’, o ‘satânico’, o ‘espectral’ e o ‘feiticeiresco’, temas que circulam no filme, fixam-se como qualidades do feio, que são todas opostas ao ‘belo clássico’ e ao ‘belo natural’. O pecado e o profano, presentes no filme, integram o ‘mal moral’, portanto, feio.






Devido a essas cenas fortes, de impacto visual, e pelo filme trazer símbolos religiosos profanados, recebeu classificação ‘R-Rated’, ou seja, para maiores de 18 anos.
O diretor inglês Michael Winner, profícuo nos anos de 1970 e 1980, que chegou a rodar três filmes por ano, realizou muitos de ação, como ‘Assassino a preço fixo’ (1972), ‘Scorpio’ (1973), ‘Jogo sujo’ (1973) e o mais famoso deles, que teve continuações e remake, ‘Desejo de matar’ (1974), todas fitas policiais violentas. Havia experimentado o terror antes com ‘Os que chegam com a noite’ (1971), uma prequela de ‘Os inocentes’ (1961), com personagens extraídos do romance ‘A volta do parafuso’, de Henry James. Winner produziu ‘A sentinela dos malditos’ ao lado de Jeffrey Konvitz, o escritor do livro que originou o filme, e ambos fizeram o roteiro adaptado. Winner escalou para o filme um time de primeira, de atores e atrizes famosos e indicados a Oscar, em participações especiais. Ava Gardner é a dona do apartamento que a aluga para a modelo, Arthur Kennedy é o cardeal, John Carradine é o padre senil e cego, Burgess Meredith e Sylvia Miles são os vizinhos da modelo, Eli Wallach é um detetive, José Ferrer é um padre, Jerry Orbach como o diretor de fotos da modelo, e Martin Balsam, um professor. Vemos pontinhas de novatos, como Jeff Goldblum na pele de um fotógrafo de moda, Beverly D’Angelo como a aluna de balé que tem um caso com a professora, Christopher Walken como um jovem detetive, e Tom Berenger como um inquilino. Cristina Raines e Chris Sarandon viviam o auge de suas carreiras e protagonizam o filme.
A sinistra atmosfera de ‘O bebê de Rosemary’ é presente nesse filme, assim como outros dois filmes de Roman Polanski, que andam juntos com ‘O bebê’ e podem ser entendidos como uma trilogia – ‘Repulsa ao sexo’ (1965) e ‘O inquilino’ (1976). Os três tratam de confinamento, alienação, tormento e loucura, com personagens face a face com estranhas manifestações, e a história dos três se desenrola num apartamento fechado, como ocorre em ‘A sentinela dos malditos’.
Originalmente da Universal Pictures, o filme foi rodado no Brooklyn novaiorquino, durante dois meses.


* Resenha escrita especialmente para o livro " Obras-Primas do terror - Pérolas da coleção" - foto acima, lançado pela Versátil Home Video em março desse ano. Livro disponível para venda no site da Versátil, diretamente no link https://www.versatilhv.com.br/produto/livro-obras-primas-do-terror-perolas-da-colecao/5543515

Estreias nos cinemas

 

José Aparecido de Oliveira – O maior mineiro do mundo (2019)

 

Documentário brasileiro sobre a trajetória do jornalista, deputado federal por Minas Gerais – depois cassado na Ditadura militar, Governador do Distrito Federal, Ministro da Cultura no Governo Sarney e Embaixador José Aparecido de Oliveira (1929-2007), que trabalhou em prol a cultura e conviveu com autoridades do meio político, empresarial e cultural do Brasil e do mundo. Imagens de arquivo e vídeos dele compõem o filme, juntamente com depoimentos de amigos como Fernanda Montenegro, Ziraldo, José Sarney, Luiz Carlos Barreto, Vladimir Carvalho, Jaguar e Celso Amorim. Exibido no Festival de Brasília de 2019, o filme entra somente agora nos cinemas, depois de cinco anos, em salas do RJ, SP, Brasília e BH. Distribuição da Bretz Filmes.

 


 

Névoa prateada (2023)

 

Coprodução Holanda e Reino Unido, esse contundente e dramático filme independente conta a história de uma jovem enfermeira que busca se vingar dos culpados pelo acidente que deixou seu corpo com graves queimaduras. Enquanto revê o passado, apaixona-se por uma paciente do hospital onde trabalha, e juntas fogem para uma cidadezinha do litoral. A ótima atriz Vicky Knight, que de verdade teve 40% do corpo queimado por causa de um incidente, ganhou o prêmio de júri no Teddy, no Festival de Berlim, e lá o filme concorreu ao Panorama. A diretora iniciante Sacha Polak conduz o elenco de maneira formidável e dá uma aula na condução da história e na fotografia. Exibido na Mostra Intl. de Cinema de SP do ano passado, acaba de estrear nos cinemas das principais capitais. Distribuição da Bitelli Films.

 


 

Zona de exclusão (2023)

 

A diretora polonesa Agnieszka Holland, de ‘Colheita amarga’ (19), ‘Filhos da guerra’ (2023) – pelo qual foi indicada ao Oscar de roteirista, e de mais de 30 longas, muitos deles premiados em festivais como Berlim, Cannes e Veneza, faz aqui um retrato dramático e contundente sobre refugiados de guerra em meio a uma crise humanitária sem fim. Uma família síria escapa da guerra civil no país e ao lado de um professor afegão, seguem até a fronteira entre a Polonia e Belarus para pedir ajuda. Lá se encontram com um guarda e uma ativista que dão apoio a refugiados na floresta. Com 153 minutos, todo feito em preto-e-branco – aliás, um capricho de fotografia, o filme dá uma dimensão humana ao tratar dos horrores da guerra. Foi aplaudido nos diversos festivais por onde passou, e em Veneza, recebeu sete prêmios especiais, um marco no festival, dentre eles o do júri, além de ser indicado ao Leão de Ouro. Está nos cinemas brasileiros, com distribuição da A2 Filmes.

 


terça-feira, 16 de abril de 2024

Resenhas Especiais


Coleção ‘Sessão dupla: Tomates assassinos’

A Obras-primas do Cinema acaba de lançar em DVD no Brasil a coleção ‘Sessão dupla: Tomates assassinos’, com os dois primeiros longas da popular franquia de filmes B de comédia com terror. Confira abaixo resenha sobre eles.



O ataque dos tomates assassinos

Cidade é atacada por tomates mutantes assassinos, que rolam e esmagam as pessoas. Quem conseguirá salvar os habitantes de lá?

Impressionante como essa franquia de filmes B atravessou o tempo e continua cultuado no mundo. Roteiros bem fuleiros e difíceis de engolir, baixíssimo orçamento e atores amadores são o ‘tchan’ desses filmes feitos para consumo imediato, que ainda causam risos e nunca devem ser levados a sério. Foi aqui que tudo começou, em ‘O ataque dos tomates assassinos’, em 1978, um longa-metragem feito a partir de um curta de mesmo nome e diretor, John De Bello, produzido dois anos antes. A ideia é simples – uma cidadezinha americana vira alvo de tomates mutantes que andam juntos, rolam e esmagam as pessoas. Alguns crescem, ficam do tamanho de um carro, e passam a ser temidos pelos moradores. Então um grupo de cientistas e policiais corre contra o tempo para caçar os frutos malditos.
Os tomates ficam mutantes por causa do uso irregular de agrotóxicos numa área controlada – está aí uma crítica contra o abuso desses insumos, mas que passa desapercebida diante de tanta maluquice.




Há uma profusão de gêneros nesse primeiro filme, como aventura, scifi, comédia e terror. É um besteirol trash que ficou lendário, tanto que ganhou várias continuações, todas bem doidas, e uma série animada para TV. há poucos efeitos especiais, e os tomates são todos de verdade, exceto os tomatões de espuma e isopor que rolam – perceba que eles não têm rosto, são os frutos que voam sobre as pessoas, e somente no terceiro filme eles teriam olhos e dentes afiados. Segundo os produtores, foram apenas U$ 90 mil de orçamento para produzir o filme, na época exibido em poucos cinemas alternativos – no Brasil estreou em dezembro daquele mesmo ano, 1978, dois meses depois de passar nos EUA, mas o filme foi percorrendo os cinemas ao longo dos anos seguintes – por exemplo, na Alemanha o longa entrou apenas em 1983.
Na época existia uma premiação dos piores do ano, o ‘The Stinkers Bad Movie Awards’, parecido com o Razzie Awards; ‘O ataque dos tomates assassinos’ recebeu indicação de ‘Pior senso de direção’ para John De Bello – e no título da categoria completaram assim ‘Worst sense of direction (Stop them before they direct again!)’, ou seja, ‘Parem eles antes que dirijam algo de novo’.
A distribuidora Obras-primas do Cinema acaba de lançar os dois primeiros filmes em DVD no Brasil, na coleção ‘Sessão dupla: Tomates assassinos’, restaurados em 2K. Os dois filmes vêm em edição especial de colecionador com luva e cards. A versão de ‘O ataque dos tomates assassinos’ é a de cinema, com 83 minutos, e não a versão do diretor, com 90 minutos.

O ataque dos tomates assassinos (Attack of the killer tomatoes!). EUA, 1978, 83 minutos. Aventura/Comédia/Terror. Colorido. Dirigido por John De Bello. Distribuição Obras-primas do Cinema


A volta dos tomates assassinos

Dois amigos pizzaiolos, Matt (George Clooney) e Chad (Anthony Starke), encontram um problemão pela frente - um cientista maluco que promete devastar o mundo com seus tomates letais criados em laboratório.

Também conhecido como ‘O retorno dos tomates assassinos’, essa foi a primeira continuação maluca e tresloucada do original, ‘O ataque dos tomates assassinos’ (1978), porém com mais orçamento. Realizado dez anos depois, traz na trama dois amigos pizzaiolos (George Clooney e Anthony Starke, ambos em início de carreira), que tentam parar um cientista maluco, Dr. Gangreen - papel insano do comediante John Astin, o Gomez da série clássica ‘A família Addams’ (1964-1966), de produzir tomates assassinos para atacar o mundo. Eles correm contra o tempo, encontram garotas bonitas pelo caminho e ficam amigos de tomate brincalhão, um híbrido peludo e fofinho.
Com poucas cenas de ação e até menos aparição de tomates assassinos, o filme, um B por natureza, é muito cultuado pelos fãs da franquia que foi se popularizando com os anos e atravessando as décadas – depois desse vieram mais duas continuações, todas do mesmo diretor, John De Bello, ‘Os tomates assassinos atacam novamente’ (1991) e ‘Os tomates assassinos atacam a França’ (1992), sem contar a série de TV animada, com duas temporadas, ‘O ataque dos tomates assassinos’ (1990-1991).



Os dois protagonistas se divertem nessa brincadeira e estão à vontade nos papeis dos amigos dispostos a acabar com os tomates assassinos, Anthony Starke – que no ano seguinte faria ’007 – Permissão para matar’ (1989), e George Clooney – na época tinha 26 anos, só havia aparecido em algumas séries dos anos 80, até fazer filmes B de terror, como ‘De volta à escola dos horrores’ (1987), e somente oito anos depois se consagraria, em ‘Um drink no inferno’ e ‘Um dia especial’, ambos em 1996. O vilão, Dr. Gangreen, volta nas continuações, com o mesmo ator, John Astin.
Disponível em DVD na Coleção ‘Sessão dupla: Tomates assassinos’, disco único com os dois primeiros filmes, e 30 minutos de extras, com entrevistas com diretor e elenco. A versão de ‘A volta dos tomates assassinos’ é a de cinema, com 98 minutos – isso porque houve uma versão editada, lançada no Reino Unido e outros países, com 94 minutos.

A volta dos tomates assassinos (Return of the killer tomatoes!). EUA, 1988, 98 minutos. Aventura/Comédia. Colorido. Dirigido por John De Bello. Distribuição Obras-primas do Cinema